Recado aos alagoanos

REGATIANO, AZULINO, ALVINEGRO, ou torcedor de qualquer outro time das Alagoas, valorize o futebol da sua terra! VOCÊ TEM TIME PRA TORCER!

terça-feira, 24 de maio de 2011

Colonização por osmose

Outro não poderia ser o tema de estreia da coluna na revista alagoana "O Drible" — a que fui gentilmente convidado a assinar pelo amigo e talentoso radialista e jornalista Antonio Guimarães.

Refiro-me à cultural prática, aqui, de torcer-se por time de outro estado (embora sejam, exatamente por isto, rivais do seu). Na verdade, o privilégio é dividido, mais proximamente, com paraibanos, sergipanos e potiguares. Mas isto pouco diz em nosso favor. Antes, para mim, nos iguala, a todos, em algo que me soa ruim, muito ruim para o nosso futebol e nossa autoestima.

O fenômeno é antigo e teria começado à época das transmissões do campeonato carioca pela extinta Rádio Nacional, seguido pelas transmissões da carioca TV Globo e, posteriormente, também pela paulista Bandeirantes. Assim, o Rio de Janeiro e São Paulo abriram, aqui, suas colônias midiáticas de futebol, que “silenciosamente”, num processo quase “osmótico”, passaram a cooptar as mentes e corações dos torcedores alagoanos para seus clubes, em detrimento daqueles de sua terra. Tudo com o prestimoso auxílio, naturalmente, dos parentes (pais e tios) do recém-iniciado — que desde cedo apresentam os pequenos e inocentes rebentos às cores dos times do Rio de Janeiro e de São Paulo —, e de grande parcela da própria mídia tupiniquim, também ela densamente povoada de radialistas e jornalistas torcedores de clubes daqueles estados (embora alagoanos), formadores de opinião que são.

O fato é que torcer pelo time da terra e por outro, do RJ ou de SP, parece algo natural aqui em Alagoas. Aí o sujeito me pergunta: “Qual o seu time?” Respondo: “CRB”. Sim, mas fora do estado, insiste: “Nenhum”, respondo. “Sou exclusivamente CRB”. E às vezes complemento: “Não sou carioca, nem paulista, para torcer por times dos torcedores daqueles estados...”. Saco! (penso).

Há muitas coisas interessantes (e prejudiciais) nesse fenômeno. Algumas: na maioria dos casos o torcedor prioriza a compra da camisa do time de fora (basta olhar na cidade, mesmo em dia de jogo de CRB ou CSA), em notório prejuízo do já combalido, explorado e, por esses torcedores, em regra, abandonados times da terra; em Arapiraca, tem até torcida mista (MENGASA) — vê se pode; os times locais passam a ser de segunda linha também no coração e nas atitudes desses torcedores (pouco vão aos estádios, não participam da vida do clube nem pra reclamar...), e por aí afora.

Argumenta-se que isto se dá porque nossos times “seriam ruins”, que não disputariam as melhores competições nacionais. Ora, os times pernambucanos não estão muito distantes dos nossos, e lá não se ouve falar de torcedor que tenha outro time do coração que não o seu, daquela região. O próprio Santa Cruz/PE, por exemplo, que há anos não disputava um título do campeonato pernambucano e que vem, a duras penas, disputando a Série D do campeonato brasileiro, é um dos campeões nacionais de bilheteria. E enquanto aquele clube disputou 20 edições da Série A do Brasileiro, o CSA disputou 12 e o CRB, 9(*). Consideradas todas as competições nacionais, desde 1959(*), o placar é Stª (43) x CSA (39) e CRB (38). Se CSA e CRB não disputaram título de um Campeonato Brasileiro da Série A ou de uma Copa do Brasil, aquele tampouco, muito menos seu rival alvirrubro. A semelhança, aí, é flagrante, como o é, entretanto, a diferença (quando o assunto é fidelidade do torcedor).

Mas saiamos do vizinho Pernambuco e caminhemos ao Sul. O Avaí está, quando escrevo, disputando partida pela Copa do Brasil com o Vasco da Gama, válida pelas semifinais. Entretanto, aquele clube, cujos torcedores lhe são fiéis, ocupa a 39ª posição no ranking da CBF, enquanto CRB e CSA estão, respectivamente, na 36ª (à frente) e 48ª (pouco atrás) posições(*). Ah! O mesmo Avaí, em toda a sua história (foi criado em 1923) tem 7 participações na Série A do Brasileiro e apenas um título nacional (campeão da Série C, em 1998). Há diferença técnica, histórica ou de tradição que explique a infidelidade do torcedor alagoano para com seus principais e mais tradicionais clubes?

Outros argumentam que se for assim você não pode comer um acarajé baiano, ou tomar uma coca-cola norte-americana, ou mesmo admirar um artesanato pernambucano. Ora, ora, ora, e desde quando essas atividades são esportivas (competitivas por natureza)? Desde quando você torce pelo acarajé alagoano num campeonato de guloseimas à base de feijão?

Existem também os que dizem que isto não passa de bairrismo, ou mesmo de maniqueismo. Nem uma coisa, nem outra. No primeiro caso, porque não se está a impedir a valorização ou a admiração por qualquer time, brasileiro ou não. No segundo, porque se está muito longe de uma idéia do “bem” contra o “mal”. O que há é a constatação de que torcer-se por times de outros estados enfraquece os nossos, demonstra desimportância e pouco amor aos nossos (não fosse assim, por que se iria buscar outro para “amar”?) e realça e alimenta nossa baixa autoestima.

Há ainda aqueles para quem “o importante é ser feliz”. Bem, se torcer por um time do RJ faz um alagoano “feliz”, que torça. Felizmente (sem trocadilho), qualquer um tem o direito de torcer pelo time que quiser, seja lá de onde for. Tem o direito, por exemplo, de ir ao “Rei Pelé” torcer contra o Murici (do homônimo município do interior aqui do estado), quando este disputou com o Flamengo/RJ partida pela Copa do Brasil/2011. O Trapichão estava apinhado de alagoanos torcendo pelo time carioca, não por rivalidade ao Murici (que se viu jogando em sua casa — Alagoas — como se forasteiro fosse), mas porque são legítimos(?) flamenguistas. Direito têm. Mas resguarde-se o direito, por igual, de sofrerem críticas (respeitosas e pacíficas, naturalmente) por esse, digamos, estranho modo de amar o futebol de seu estado. Democracia e livre arbítrio é via de mão dupla.

Pra mim, razão (e paixão no foco certo) está com o amigo Alberto Maia, quando, há vários anos atrás, questionou-me do porquê de eu (então) torcer pelo Flamengo/RJ quando o meu time do coração (então dito e alardeado) era o CRB. Razão está com o flamenguista professor carioca de fisioterapia de minha sobrinha quando, observando a discussão entre alunos torcedores de seu time (embora alagoanos), perguntou-lhes se eles não tinham time para torcer em Maceió, já que o Flamengo era dos cariocas. Certo está o pai gaúcho de um amigo de meu filho (então na casa dos 8, 9 anos), quando o “repreendeu” porque ele estava a torcer pelo seu time, o Internacional (que acabara de se sagrar campeão do mundo), e demonstrou-lhe que não se pode ser fiel a dois, até porque são potencialmente rivais, e poderão sê-lo diretamente, mais dia, menos dia.

Razão, finalmente, está com o meu coração, que um dia felizmente me fez compreender que nele não poderia existir outro clube que não o meu CRB. A minha autoestima agradeceu. E a rima foi involuntária.
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- Também publicada na revista O Drible, edição 218, maio/2011, p. 16.
(*) Wikipédia