Recado aos alagoanos

REGATIANO, AZULINO, ALVINEGRO, ou torcedor de qualquer outro time das Alagoas, valorize o futebol da sua terra! VOCÊ TEM TIME PRA TORCER!

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Um estranho no ninho

Crônica
Fim de semana de 8 e 9 deste mês. Estava em Recife para ver minha filha n.º 1 e fui dar aquela passeada-burguesa-básica (e já tradicional da maioria dos alagoanos) no Xópin de Boa Viagem (desculpem, mas como vocês talvez não identificassem se eu dissesse Centro Comercial, aportuguesei). Devidamente asseado e cheiroso, com minhas duas mulheres à tiracolo (a indigitada filha e minha namorada), vesti meu manto-sagrado-superior-alvirrubro (camisa do Galo, para os leitores desavisados) e para lá fui. Apesar de encontrar-me com a lanterna grudada a uma das mãos — e, pior, sem a mínima chance de dela ser retirada (nem matemática, mais) —, via-me pronto e disposto a exibir as cores do alvirrubro alagoano com muito orgulho. Talvez por ser daqueles torcedores dito doentes, além de apaixonado pela minha terra.

Naquela meca nordestina do consumo vi uma profusão de desfiles de camisas alvirrubras, rubro-negras e tricolores, respectivamente do Náutico, Sport e Santa Cruz. É, até do “sem série” time do bairro do Arruda, vi (pior do que meu Galo, que pelo menos ainda é “de série”). Vez perdida, perdida mesmo, enxerguei a de algum time do sul/sudeste, mas vestida em alguém que apostaria tratar-se de turista visitando aquelas plagas. Enquanto envergava com extrema dignidade minha indumentária vermelha e branca, admirava os nativos do Pernambuco fazendo o mesmo com as suas. Eram muitos, de todas as idades e, ousaria afirmar — mesmo sem conhecê-los —, classes sociais. Testemunhei, ali, um belíssimo exemplo de auto-estima, de valorização do que é seu, de sua história, de sua tradição, de suas raízes.

Domingo próximo passado (16/11). Já de volta ao rico (e saqueado) solo alagoano, na minha belíssima Maceió — da mais linda e agradável orla litorânea deste país —, lá fui eu dar uma volta no Xópin de Mangabeiras. Desta feita, de alteração nas minhas companhias queridas apenas a filha n.º 3, que substituiu a n.º 1. No mais, coberto com outro manto-sagrado-superior-alvirrubro (felizmente, posso ter mais de um), também com o escudo do CRB no lado do coração igualmente àquel’outro. Enquanto conferíamos os últimos lançamentos na (única) livraria de lá (minha filha n.º 3, embora ainda nos seus 10 anos, adora ler, graças a Deus), e voltava a ser criança brincando nos (custosos) jogos eletrônicos também lá instalados, via uma profusão de camisas rubro-negras e tricolores a desfilarem pelo estabelecimento. Não, não eram de times de futebol alagoanos. Os torsos onde envergadas eram, certamente, de alagoanos (ouso apostar, sem medo de errar), mas os times nelas representados eram do Rio de Janeiro e de São Paulo, respectivamente.

Antes, havíamos ido à feirinha de artesanato da Pajuçara, bem como num estabelecimento do mesmo gênero, que lhe é quase vizinho. Nunca mais houvera passado por um nem por outro. Assim que cheguei à feirinha deparei-me com um conjunto infantil de calção e camisa de um global time carioca, pendurado numa das lojinhas daquele recanto. Imediatamente perguntei se havia do CRB, pensando em presentear minha mais nova sobrinha, recém-nascida. Não, de clubes alagoanos não havia, disse-me a vendedora.

Meio sem-graça, e já ingressando naquelas estreitas vias internas, enxerguei uns canecos e relógios com o escudo de times de futebol brasileiros; também vi toalhas e outras lembranças. Legal! Aqui devo achar alguma coisa, nem que seja pra mim mesmo. “Tem do CRB?”, perguntei, já com uma ponta de timidez, com receio da resposta negativa. Não, somente de times de fora (do estado). “Mas vocês não têm clientes nativos, não?”, indaguei, disfarçando a chateação. “Temos...”, respondeu meio sem graça a lojista, “mas não temos produtos de time daqui, não.”

Contendo minha irresignação — tá bem: já puto, mesmo! —, vi de repente, saindo de um restaurante lá situado, e dirigindo-se em minha direção, um torcedor do Regatas, vestindo uma antiga (mas bela, claro) camisa do Galo(!). Foi logo lamentando para mim a queda do CRB à Série C — torcedor é assim, fala com você como se já o conhecesse de antes, o que, diga-se, é muito legal — e dizendo de suas expectativas para 2009, além de perguntar das minhas. Entretanto, qual não foi minha surpresa quando em seguida afirmou, com notória expressão de satisfação: “O São Paulo vai ganhar o campeonato! Tá vencendo mais uma!” Fiz sinal com a cabeça — tipo tudo bem — e encerrei a conversa, com um sorriso amarelo nos lábios.

Já em outra de suas ruelas, ouço um grito feminino: “Gollll!!!”, berrou uma atendente de uma das lojas. “Chora, bestona!!!”, exclamou em seguida, dirigindo-se a uma colega próxima. Perguntei de quem tinha sido o gol tão festejado, e em qual jogo. Gol do Flamengo (do estado do Rio de Janeiro) em cima do Palmeiras (do estado de São Paulo), esclareceu-me, toda contente. Contendo a muito custo minhas feições — misto de lamentação, compaixão e, não vou negar, algum desprezo —, perguntei à torcedora, então visivelmente constrangida pelo gol sofrido por seu time-do-coração-alviverde-paulista-que-ela-não-sabe-nem-de-que-bairro-é: “Você é paulista?” A outra, sem entender o porquê da minha pergunta, respondeu por ela: “Não. É daqui... Mas é palmeirense, doente!!!”. Ah..., tá.

E assim voltei para casa, depois da feirinha e do Xópin. Envergando heroicamente meu singular manto-sagrado-superior-alvirrubro, mas sem conseguir esconder uma ponta de tristeza por meus conterrâneos terem optado por adorar o que é dos outros, e uma enorme admiração pelo exemplo (de auto-estima elevada) do povo recifense. Um estranho, no (meu) ninho: foi como me senti.
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Também postada nos sites Futebolalagoano.com, FutNet e BrasilWiki!

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